A NATUREZA CONTÍNUA DAS CLASSES DE PALAVRAS
Roberto Gomes Camacho (UNESP-São José do Rio Preto)

Na tradição gramatical, a divisão do discurso em partes chamadas “classes de palavras” baseia-se em critérios nocionais de natureza discreta que acabam por fornecer uma abrangência supostamente universal, como se categorias próprias das línguas clássicas indoeuropeias pudessem aplicar-se a todas as línguas naturais. Todavia, a realidade é que a conhecida diversidade tipológica das línguas, com base na relação raramente biunívoca entre as categorias ontológicas e as categorias gramaticais disponíveis, não tem deixado livre de problemas nem mesmo a suposta distinção universal entre nome e verbo. É possível predizer que certas percepções ‘prototípicas’ de entidades próximas a coisas são codificadas numa forma gramatical identificável como nomes, ao passo que percepções prototípicas de ações ou eventos são gramaticalmente codificadas como verbos (cf. HOPPER; THOMPSON, 1984).
Como essa correlação tem validade universal, Hopper e Thompson aplicam à noção de categorialidade o princípio cognitivo da prototipicidade, desenvolvido por Rosch (1973), segundo o qual a categorização humana não é arbitrária, mas procede de exemplares mais centrais para exemplares mais periféricos de categorias sendo prototípicos justamente os exemplares centrais que parecem mais salientes aos falantes.
Um aspecto teoricamente instigante, relacionado às classes de palavras é a caracterização categorial das nominalizações, que, a rigor, não podem ser consideradas nem nomes nem verbos prototípicos. Consistem, na realidade, em categorias complexas, intermediárias num continuum funcional com os pólos ocupados pelo nome e pelo verbo. Como nomes, deveriam referir-se a entidades perceptíveis do mundo, mas, como os verbos, podem ser providos de valência e representar não entidades de primeira ordem, que são percepções cognitivas de objetos físicos, palpáveis, mas entidades de segunda ordem, ou estados de coisas. Nesse aspecto, uma correlação plausível é a de que quanto mais um nome deverbal preserva a estrutura argumental mais próximo ele está da referência a um estado de coisas, ou uma entidade de segunda ordem.